2007/05/24

Biafra

Conheci, em tempos, uma mulher que morria por amor. É exactamente esta a palavra que quero empregar: morrer. Porque, assim como se pode morrer com uma crise aguda hemorroidal ou um ataque de flatulência, pode morrer-se por amor. É igualmente risível. Definhava a olhos vistos. Magérrima, chupada como uma criança do Biafra. Consumia-se por causa de um jeitoso que gostava de ópera, que lia Wittgenstein e, jantava, ao final do dia, em restaurantes de degustação. Um tédio de homem. Um homem-tédio. Os seus olhos tinham sempre uma névoa de tristeza que me desesperava e desamparava. Por osmose também eu, quando estava com ela, me sentia assim, a morrer devagar, a vasculhar nos cantos da minha vida razões para ser infeliz. Fazia terapia há 5 anos. Anunciava-o com alívio, assegurando que as sessões de terapia a ajudavam a enfrentar a vida, a estruturar-se como pessoa, a perceber as suas atitudes e opções. Eu achava aquela conversa estranha. Ainda acho. Como se aguenta um psicanalista durante cinco, dez, doze anos? A maior parte das relações não dura tanto tempo.