2007/05/30

Pré-História

Resolvi ir a uma aula de Pré- História. Foi a primeira a que fui. O professor começou por falar da matéria do teste da próxima semana. Indignei-me. Teste? Depois, continuou, falando do homem acheulense e mostrando triedros, machados e seixos truncados. No final da aula resolvi socorrer-me de alguém. Bati nas costas do rapaz da frente, que me pareceu aplicado, atento. Fiz-lhe um sorriso encantador. E cruzei as pernas. Perguntei-lhe se me emprestava o programa e a bibliografia da cadeira. Ele corou. Muito branquinho, muito anafadinho, muito novinho, luzidio. Fez-me lembrar um carneiro. Daqueles lãzudos, que se passeiam, aos saltos, por pastos verdes, balindo méés atrás de méés. Perguntei-lhe o nome. Felipe. Olá Felipe. Eu sou a Ana. E pestanejei. Simpático, o Felipe. Emprestou-me cadernos e apontamentos. Resolvi aproveitar a sua boa vontade e perguntei-lhe pelas outras cadeiras que ia tentar fazer. Antiguidade Grega e Roma Antiga. Ele pôs-me ao corrente de tudo. Entretanto, outro colega, daqueles de olhar oblíquo, que nunca nos olham de frente, meteu-se na conversa e resolveu ajudar-me, também ele, em relação aos métodos de avaliação das disciplinas. Às tantas, começou a falar de um trabalho para outra cadeira qualquer. Foi então que o Felipe, o rapaz-ovelha, lustroso, exclamou “Ó Hugo, está calado que a senhora não vai fazer Métodos Quantitativos!”. Engoli em seco. Senhora? Senhora? Eu não sou ainda uma senhora. Senhora é a minha mãe. E a minha tia. E a D. Susy, a secretária da direcção que usa cinta. Foi nesse momento que percebi o que sou. Não tarda nada estou na meia-idade. Tenho cerca de vinte cabelos brancos. Tenho dois filhos, um dos quais já usa o mesmo número de sapatos que eu. Já me separei. Já me reconciliei. O que significa que já passei a fase do casamento e do nascimento dos filhos. Comovo-me como não me comovia. Pior, gosto de fumar cigarros e sentir-me miserável, junto dos cravos túnicos e dos morangueiros, noite fora, enquanto oiço o Charles Aznavour ou a Elis Regina. Em resumo, sou pré-histórica. Como os seixos truncados.

(Texto extraído de berloque já exterminado. O ano passado, imagine-se tamanho devaneio, resolvi voltar a estudar. Nem uma cadeira fiz. Desisti. Sou muitíssimo boa no corajoso acto da desistência.)