Faço
a A5 e a Segunda Circular, já muito tarde, a cidade passa e são quase bonitos
os subúrbios assim, feitos de escuridão e luz; levo filhos e sobrinhos, dormem nos
bancos de trás, encostados uns aos outros, como peças de dominó: o Joaquim de
boca aberta, a Bia com a trança de rapunzel desfeita, a Dá esquecida da
tristeza com que acordou, choro porque preciso, tu não dizes que, às vezes,
também precisas de chorar, sou igual a ti, a mesma tristeza, mãe, a mesma
alegria, o Diogo com o corpo do meu irmão, africano sem o querer. Gosto de ser
tia tanto quanto gosto de ser mãe. Lembro o João que anda a acampar com o meu
pai por Espanha, repetindo gestos, visitando o Vale dos Caídos, outras memórias
do franquismo, lendo mapas, aprendendo, como eu aprendi, que o amor do meu pai
é um amor condicional, a mais pequena desilusão e perde-se. Lembro a minha mãe
e a minha tia, ando com vontade de comer sopa de tomate, disse a minha mãe,
hoje, à saída do Colombo, e chegou-me uma vontade de chorar tão grande. Se me
morrem os pais morro também. Sou filha. Mais do que mãe. Lembro o telefonema do
Pedro a meio da semana, tia, amo-te muito, disse para me confortar, a minha
irmã do outro lado explicando que ando sensível, a tia Ana anda tristonha, tens
de a animar. E animou. A sorte que tenho em os ter, a eles que são o meu
sangue, aos outros que chegaram: o Manuel, patrono querido que se fez cunhado, gosta
do Céline, do Jack London, do Durrell, do Proust, goza as minhas leituras; a Maria
de Lurdes, meio bronca, mas intrinsecamente boa, e isso é bem mais importante
do que saber falar de livros, de filmes, da merdice cultural, tão bem que nos
damos nas férias, falando de mundanices e bebendo minis ao final do dia enquanto
cozinhamos para os nossos filhos. Como se pode viver de costas voltadas para a
família? Somos como peças de dominó. Caindo uma, sou sempre eu a cair, caímos
todas.