(Esqueço sempre os teus erros; os meus ficam cá dentro, espinhos enterrados na carne. As noites em Deli, sentados na cama, tu, como se fosses um miúdo pequeno, a contar a história da tua vida, os nossos terrenos de Dicarpale, tão bonitos, sobre a várzea abandonada, a viagem pelo Rajastão com o motorista dos Himalaias que cuspia escarros vermelhos de supari, a ladainha escutada na capelinha perto dos campos onde levavas os búfalos a pastar, as tuas conversas com Vixnu, o mandukar hindu desdentado, as masalas dosas que me trouxeste para jantar nos dias em que fiquei a escrever, o abraço longo depois da primeira discussão. Amo-te.)
Sou Ana de cabo a tenente/ Sou Ana de toda patente, das Índias/ Sou Ana do oriente, ocidente, acidente, gelada/ Sou Ana, obrigada/ Até amanhã, sou Ana/ Do cabo, do raso, do rabo, dos ratos/ Sou Ana de Amsterdam.
2013/01/12
Gold Flake
Escuto o JP Simões na noite goesa. São quase dez horas, o meu pai já dorme, corpo moído da confusão das repartições públicas de Margão; fumo um Gold Flake na varanda do meu quarto, as gralhas estão caladas e Chitra, a rapariga que trata das vacas do Marlindo, lá em baixo, queima um pau de incenso junto do tulsi que a tia Maria, depois de consultar o padre da aldeia, consentiu que plantasse.
2013/01/07
2013/01/04
Agra
Escrevo
no átrio do hotel Agra Mahal, pardieiro imundo, a banheira cheia de
sujidade, os lençóis puídos, húmidos, rasgados, com nódoas dos clientes
anteriores. Há um altar a Hanuman, o deus macaco, outro a Ganesh, o deus
elefante, um grande lustre de pingentes vermelhos ao cimo da escadaria. Cheira
a incenso e o empregado do hotel sobe e desce as escadas com ferramentas
ferrugentas nas mãos. Parece haver sempre qualquer coisa para arranjar neste
lugar. Está sentado ao meu lado o filho do dono do hotel, um menino de três
anos que cheira a sementes de anis e a pó de talco. Tem uns olhitos muito
redondos e doces. Corre para o balcão da recepção, dá uma gargalhada e vem numa
corrida enterrar-se no meu colo. Fala em hindi, não percebo uma palavra do que
diz, faço-lhe festas no nariz, ele volta a rir. Tenho saudades dos meus
filhos.