Corpo atravessado na cama. Nu, suado, salgado, morto. O quarto
muito escuro. Fecho os olhos. Penso em punhos cortados, nos meus pés à beirinha
da linha do comboio, nas caixas de comprimidos guardadas no armário da casa de
banho. Não consigo evitar a tristeza, os pensamentos sombrios, a angústia patética.
A tentação é sempre grande. Tenho vontade de retalhar com golpes fundos, muito
dolorosos, o meu corpo. Mata-lo. Não o suporto na sua inapetência. Devia ceder
de vez à loucura. Deixar de brincar ao faz de conta. Talvez conseguisse
descansar. Dormir uma noite seguida. Chega o Joaquim, só de cuecas, óculos
escuros na cabeça. Deita-te em cima de mim, peço-lhe. Ele trepa e deixa-se
estar muito quieto como se compreendesse a essencialidade do gesto. Estás triste, pergunta. Estou, estou muito triste, respondo. Ficamos
assim, corpos sobrepostos, durante algum tempo, a ver se a minha tristeza passa. Costuma passar.