Escrevo no caderno com um marcador preto. Tenho páginas e
páginas escritas, coisas sem interesse, as banalidades do costume, sobretudo
notas sobre os outros: a mulher-elefante que todos os dia chega ao café,
cigarro ao canto da boca, voz grossa, a expectoração solta a notar-se em cada
gargalhada, o marido da Graça esperando no carro, tão acabado do cancro, quase
morto, as mãos da minha irmã, o cheiro dos pés do Joaquim, os olhos da minha
mãe, o meu pai de pijama pedalando na marquise da sala para afugentar as
atrapalhações da idade. São apenas impressões, desabafos, nada que mereça a correcção
de uma segunda leitura. E, no entanto, gosto de olhar essas páginas ligeiras,
mas fecundas, cheias de vida. Reaprendi a escrever e, depois de anos de
abandono, tomei posse da minha caligrafia, ligeiramente inclinada para a
direita, correndo, arrepiada, fora de margens e linhas, cheia de golpes, hastes
longas, exageros. Enquanto escrevo deslumbro-me com a habilidade e a velocidade
da minha mão.