O Flaubert
aconselhava a ter cuidado com a tristeza. Cuidado com a tristeza, dizia ele,
pode tornar-se num vício. Percebo bem o que queria dizer. Sou depressiva há muitos anos, mais de vinte, e não sei como
me livrar da tristeza quando ela decide tomar conta de mim. Já tentei psicoterapeutas e
psiquiatras. Já tentei o suicídio. Já tomei muitos comprimidos, lamelas e lamelas de comprimidos. Já falei com um padre. Já tive filhos para que a maternidade, me secundarizando, acabasse de vez com a tristeza. Já tentei preencher o tempo com coisinhas para experimentar a felicidade dos gestos rotineiros.
Nada resulta. É preciso força de vontade para nos livrarmos de um vício e eu
não a tenho. Sou de vícios e fraquezas.
(São cinco da manhã. Há três noites que não durmo. Fico de olhos abertos a olhar a escuridão, a escutar a cómoda estalar com o calor. Podia aproveitar a espertina para escrever sobre as duas mulheres que encontrei no cemitério, sentadas em banquinhos de lona, sossegadas, a limpar uma campa. Achei-as muito bonitas, ali no meio da brancura funérea, tratando os seus mortos. Não sou capaz. Espero apenas que amanheça. O dia é sempre melhor do que a noite. Está cheio de ruído, o silêncio não pesa.)