2014/04/01

Serão

Outras vezes, era apenas para se livrar da modorra dos serões que o fazia, estava para ali sentado sem fazer nada, inerte, em frente do televisor, escutando a mãe contar a sua rotina, os conciliábulos com as amigas, a alcovitice com as peixeiras no mercado, as pequenas arrelias domésticas com Fátima, a empregada. A mãe fora buscá-la a um refúgio de meninas, trouxera-a ainda nova, lisinha como uma tábua, livrara-a de uma existência de abandono, a rapariga fora-lhe grata a vida inteira, movia-se como uma sombra silenciosa e muda; à noite, depois de arrumar a cozinha, metia-se no quartinho ao lado da cozinha a rezar o terço e a ler fotonovelas. Mas perdera a cabeça quando começara a namorar com um tipógrafo sindicalista. Desleixava-se amiúde no cumprimento das tarefas, não puxava o brilho dos móveis em condições, usava até pequenas manigâncias para imprimir brandura no trabalho, ia buscar o aspirador por tudo e por nada, introduzira esfregonas e cabos extensíveis para a limpeza dos vidros, passara a apurar os refogados com caldos maggi. Quando o namoro com o tipógrafo pegou de vez, Fátima começou com umas conversas atrevidas sobre aumentos de ordenado e descanso semanal. A mãe achava-a ingrata, mas intimamente parecia agradecer a afronta reivindicativa: tinha assim oportunidade de soltar o azedume. Carlos escutava-a:
- Ó mãezinha, tenha calma, que a Fátima é boa rapariga!- ia dizendo para a sossegar.
Quando chegava a um ponto de saturação - geralmente quando a mãe perdia a compostura e, mexendo no colar de pérolas, lhe chamava porca, devassa, ai coitadinha, anda mesmo apanhada por aquele comunista nojento! -, levantava-se com a desculpa de ter de ir à casa de banho. Fechava a porta à chave e abria o resguardo do poliban. Recorria então a um imaginário indistinto de formas, mamas, coxas, nádegas, vaginas. Muitas vezes, pensava em Fátima, agachada no chão, a puxar cera ao parquet de tacos; a posição serviçal, as rótulas escanzeladas assentes na madeira dura, a bata arregaçada, o vislumbre da sua escuridão fresca, faziam-no estremecer em espasmos agitados. De forma mecânica, pegava no pénis e esfregava-o com vigor; dotado de um frênulo elástico e longo, os movimentos levavam ao recolhimento total do prepúcio, deixando a descoberto uma glande lisa e levemente nacarada que, ao toque, acelerava o frenesi da excitação; meia dúzia de esfregadelas e esguichava um espirro esbranquiçado que, com o chuveiro, fazia depois desaparecer pelo ralo do poliban. Baixava os olhos quando voltava à sala e se sentava novamente ao lado da mãe. Ficava-lhe uma sensação de ignomínia que se prolongava durante o resto do serão.