2015/11/26

Caminho

À beira da estrada que atravessa a montanha, num pequeno canteiro lamacento, uma mulher coloca pés de arroz na terra. Sozinha, vestida com um sari puído, já sem cor definida, a mulher é uma sombra, um traço quase invisível. Traz um alforge imundo a tiracolo. Desse alforge tira os rebentos, depois, de forma mecânica, enterra-os na lama. A visão da mulher causa desconforto. Costumo ser indiferente à miséria dos outros, centrada que vivo na minha pequenez, mas qualquer coisa naquela mulher me desarma. Talvez seja o alforge imundo ou a certeza de que os seus pés gelam dentro da água. O meu incómodo dura pouco. A habitual egolatria alcança-me como uma flecha certeira. Já os abutres, no céu de nuvens baixos, voam em círculos, à espera do banquete. Na estrema do terreno, perto de uma palafita de chapas de zinco, avista-se uma bananeira de folhas largas. O verde dessas folhas, atravessado pelo sol, é de tal forma esplendoroso que, perante tanta beleza e harmonia, rapidamente esqueço a miséria da mulher enterrada nas lamas. Sinto um doce aperto no peito, uma vontade passageira de chorar.