2015/11/12

Goldmonexx

Não tenho dinheiro para me aguentar até ao final do mês. Enquanto não chega o cartão de crédito que pedi, fui à Goldmonexx, na Amadora, penhorar duas libras de ouro e a salva de prata que um tio do meu ex-marido nos ofereceu quando casámos. Esperava encontrar atrás do guichet de vidro, de nariz adunco, olhos malvados, uma velha parecida à que atormentava Raskólnikov. Imaginei a velha, má, cínica, diabólica, ali, na Goldmonexx da Amadora, a esfregar as mãos de contente quando me visse entrar, pobre mãe de família, envergonhada dos seus apertos. Quando dei de caras com um homem de meia-idade, cabelo branco e ralo, feições regulares, vestido com um simples pulover preto, senti alguma desilusão. Novamente dei conta de que a literatura deturpa – e de que maneira! – a realidade. Na vida real nem os prestamistas têm ar de prestamistas. Apesar do aspecto desinteressante, da ausência de fibra literária, o homem  foi amável e eficiente. Fez-me assinar um papel e, sem conversas, passou-me um rolinho de notas que me apressei a enfiar no bolso invisível da mala.

Apanhei o comboio de volta para Lisboa. Na carruagem quase vazia, vendo os subúrbios passar, pensando no  bilhetinho que à noite escreveria ao Joaquim, senti-me tranquila, em paz, liberta de preocupações. Assumir a minha miséria afinal não custou nada. É só dinheiro. Depois de anos sombrios, de tão pesada angústia, acho que sou finalmente feliz. É um sentimento estranho. Não estou habituada a sentir-me assim. No próximo mês, precisando, vendo as pulseirinhas, os fios, os crucifixos que as tias do meu ex-marido ofereceram quando os miúdos nasceram. “Cristo salva!”, costumavam dizer as tias nos seus conciliábulos. Cristo salvar-me-á: não na cruz, mas na pequena balança digital do homem da Goldmonexx.