2016/01/18

Casa de frangos

A propósito de um texto do Manuel de Freitas na Cão Celeste, lido há alguns dias, hoje, quando voltava para casa, pensava nos dois tipos de leitores que me dão azia: os deslumbrados e os mete-nojo. Toda a gente conhece o leitor deslumbrado. Lê e impa, revira os olhos, entra em êxtase beatífico. Esse êxtase, claro, nunca é secreto, íntimo, é um êxtase partilhado, replicado, podendo, seria televisionado. Desde que pertença ao cânone literário, o leitor deslumbrado gosta de tudo o que lê. Está em toda a parte, este tipo de leitor. Dá-se um pontapé numa pedra da calçada e aparece um leitor deslumbrado. O leitor mete-nojo é mais difícil de encontrar. Circula em círculos restritos. Restritíssimos. Julga-se superior, já leu tudo, já nada o desafia ou entusiasma. Qualquer obra-prima é aborrecida, objecto do seu magnânimo tédio. O leitor mete-nojo é capaz, de uma assentada, sem justificar, só porque sim, desmerecer “A Montanha-Mágica”, “O Quarteto de Alexandria” e, sem excepção, a obra completa da Agustina Bessa Luís. Há que reconhecer: apesar de estúpido, o leitor mete-nojo é bastante audaz. Vinha nestes pensamentos, numa agradável espiral de irritação, e lembrei-me da história que a minha irmã me contou no sábado. Parece que um escritor e um poeta, ambos franzinos, escanzelados, andaram à pancada no bar da Barraca. Imaginava eu esse vigoroso duelo entre poesia e prosa, ria-me que nem uma perdida para dentro e para fora, quando, na rotunda de Moscavide, perto da casa de frangos, atropelei um ciclista.