2016/05/22

Alcáçovas

De Évora a Alcáçovas o caminho faz-se por uma estrada quase deserta. As bermas estão floridas: giestas, cardos roxos, azedas, papoilas. No céu limpo voam andorinhas e cegonhas. Os campos, ondulações suaves e verdes, pontilhados de azinheiras e grandes pedras, guardam memória do vento e da chuva. Conduzo devagar apesar de ter pressa de chegar. Quero prolongar a volúpia que sinto perante tanta beleza, preciso de tornar o caminho mais longo. O Joaquim reclama. Tem fome. Atiro uma maçã para o banco de trás e penso que às vezes a vida é uma fantasia maravilhosa. Ou uma risota mesquinha. Ainda bem que o rapaz bebeu até cair de podre. Ainda bem que encontrou a inglesa. Ainda bem que a heroína lhe fez parar o coração. Morto, não dará mais desgostos à mãe e à avó, sossegarão a partir de agora, uma e outra vestidas de preto. Hão-de recordá-lo menino, gordo, de mãos papudas e joelhos tortos, a fazer os trabalhos de casa na mesa da cozinha. Sim, repito para mim própria, e reparo num corvo pousado num tronco velho que solta um grito estridente, ainda bem que o rapaz morreu. Se não tivesse morrido, não estaria aqui, na estrada que vai de Évora a Alcáçovas, para ir ao seu funeral.