2017/01/26

Marshmallow

O recinto da feira do livro, no Parque Eduardo Sétimo, é um grande mercado. Numa barraquinha o João Pedro e a mulher vendem produtos biológicos: verduras, fruta, legumes. Tudo tem um ar desolador: as verduras estão murchas, a fruta, maças, peras, uvas, são bichosas, os legumes, de cores baças e mirrados, parecem estar ali há vários dias. Paro para comprar as poucas framboesas e amoras que restam dentro de um caixote. Para além das framboesas e das amoras, há também umas estranhas bagas. São grandes, amareladas, fazem lembrar casulos de traça. Experimento uma. Sabe a marshmallow e desfaz-se na boca. Escolho as bagas que quero levar e pago com uma nota de cinco euros. Continuo a subir o mercado. Para além de fruta e legumes, vendem-se broas, pães, cavacas, queijos e enchidos. Procuro um queijo picante, conservado em azeite, um queijo que tenha exactamente o sabor de um outro que certa vez, ainda pequena, provei em casa da prima Laura. O João Pedro acompanha-me durante alguns minutos. Não temos tema de conversa. Caminhamos em silêncio. Por fim, com o seu habitual modo desajeitado, pergunta-me se quero ir ao cinema. Fico feliz, radiante, absolutamente eufórica com o convite. O meu coração bate, muito acelerado. Estou prestes a responder-lhe, faço um esforço para disfarçar o contentamento, quero responder com descontração. Mas o João Pedro já não caminha ao meu lado. Estou outra vez só. O amor, esse velhaco, voltou a humilhar-me, morde-me agora as canelas, depois rebola de tanto rir, aponta para mim. Viro-me para trás, procuro o João Pedro no meio da multidão. Voltou para a barraquinha dos legumes. Está sorridente ao lado da sua jovem mulher.

( Curiosamente, a última vez que estive com o João foi na feira do livro.)