Sou Ana de cabo a tenente/ Sou Ana de toda patente, das Índias/ Sou Ana do oriente, ocidente, acidente, gelada/ Sou Ana, obrigada/ Até amanhã, sou Ana/ Do cabo, do raso, do rabo, dos ratos/ Sou Ana de Amsterdam.
Agostinho
2006/07/27
Recado
que o dia te seja limpo e
a cada esquina de luz possas recolher
alimento suficiente para a tua morte
vai até onde ninguém te possa falar
ou reconhecer - vai por esse campo
de crateras extintas - vai por essa porta
de água tão vasta quanto a noite
deixa a árvore das cassiopeias cobrir-te
e as loucas aveias que o ácido enferrujou
erguerem-se na vertigem do voo - deixa
que o outono traga os pássaros e as abelhas
para pernoitarem na doçura
do teu breve coração - ouve-me
que o dia te seja limpo
e para lá da pele constrói o arco de sal
a morada eterna - o mar por onde fugirá
o etéreo visitante desta noite
não esqueças o navio carregado de lumes
de desejos em poeira - não esqueças o ouro
o marfim - os sessenta comprimidos letais
ao pequeno-almoço.
Al Berto
Agra
2006/07/26
2006/07/24
Bruxas
Licor Beirão
2006/07/21
Mirabilis
2006/07/20
Senhoras da limpeza
Senhoras do terço
2006/07/18
Mil perdões
Por fazeres mil perguntas
Que em vidas que andam juntas
Ninguém faz
Te perdôo
Por pedires perdão
Por me amares demais
Te perdôo
Te perdôo por ligares
Pra todos os lugares
De onde eu vim
Te perdôo
Por ergueres a mão
Por bateres em mim
Te perdôo
Quando anseio pelo instante de sair
E rodar exuberante
E me perder de ti
Te perdôo
Por quereres me ver
Aprendendo a mentir (te mentir, te mentir)
Te perdôo
Por contares minhas horas
Nas minhas demoras por aí
Te perdôo
Te perdôo porque choras
Quando eu choro de rir
Te perdôo
Por te trair
Chico Buarque, 1983
Gárgula
2006/07/17
Carioca
2006/07/14
Subúrbio
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pé, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança funk, o rock, forró, pagode
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, adam nuas
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas.
Chico Buarque, Carioca
2006/07/13
Vizinho (2)
Vizinho (1)
2006/07/11
Barcelona Red
2006/07/10
5 heures du matin
2006/07/07
Cigarras
Grilos
2006/07/05
Santas (7)
Santa Clara (6)
Maria Gorete (5)
2006/07/04
Havaneza (4)
Demónios (3)
Há uns sapatos que prendem a minha atenção. Têm uma plataforma gigante, de 15 a 20 centímetros. São feitos em plástico transparente e verniz preto. Uma espécie de armadura sado-masoquista sobe, depois, pela perna acima. Fazem lembrar uma prótese ou um cinto. São grotescos. Terrivelmente feios. Como as tatuagens, os piercings e as fibras sintéticas que guardam o odor axilar. Há qualquer coisa de não humano nestes sapatos. Quem os calça torna-se num demónio, numa qualquer figura horrenda e proscrita. Não sei muito bem. Deixo os sapatos prostibulares em paz. Não foi para vê-los que vim à Baixa.