Durante algum tempo, sempre que a
mulher se sentia tentada a guardar qualquer coisa dentro das narinas, lembrava as
duas rãs que lá tivera hospedadas. Um dia, porém, enquanto passeava no porto,
entre contentores e cargueiros encontrou, junto a um caixote de lixo, uma
semente. Muito pequenina, com a forma de um feijão, tão bonita e estranha. A
mulher quis guardá-la para a mostrar ao filho mais pequeno, que todos os dias
chegava da escola com flores, folhas, pedras e paus para lhe oferecer, mas,
nesse dia, por sorte ou azar, usava um vestido largo sem algibeiras. Levou a
semente ao nariz. Sentiu um cheiro mentolado, cheiro de hortelã, poejo,
lúcia-lima e erva-cidreira. O cheiro intenso pareceu-lhe muito adequado ao
desentupimento das fossas nasais. É que, apesar de não ter diagnóstico
definitivo, tanto podia ser rinite alérgica ou bronquite asmática, a mulher
vivia numa permanente aflição, falta de ar, chiadeira e piadeira, sempre
pingando um ranho aguado, nariz permanentemente trancado. Talvez o cheiro
mentolado da semente ajudasse no tratamento da sua maleita. Enfiou-a no nariz e
sentiu alívio imediato como se tivesse posto vinte gotas de cloridrato de
nafazolina em cada narina. Nessa noite deitou-se e, ao contrário do habitual,
dormiu um sono seguido. Sem sornadura. Foi assim durante duas semanas. Até que,
numa manhã de Setembro, o inesperado aconteceu. Estava o filho mais pequeno,
rapazinho chamado Quinzolas, cheio de caracóis dourados, tão bonito que mais
parecia um anjinho barroco, sentado à mesa da cozinha a tomar o pequeno-almoço.
Bebia o leite com cola-cao por uma palhinha encarnada antes de ir para a
escola. A mulher das narinas grandes entrou, queixando-se das sandálias
novas que lhe apertavam muito os joanetes. Mal a viu, o menino engasgou-se,
esguichou leite achocolatado pelo nariz e deu um grito, apontando para o rosto
da mãe.
A mulher correu ao espelho da
casa de banho, assustada, talvez lhe tivesse nascido uma verruga com pêlos no
queixo ou talvez o cabelo tivesse embranquecido de um dia para o outro, já
ouvira falar de casos semelhantes. Sossegou mal se viu ao espelho: um pequeno
ramo, ligeiramente retorcido espreitava na sua narina esquerda; na ponta,
nascera uma folhinha encerada, a fazer lembrar as das japoneiras, assim de um
verde muito vivo e luminoso. O ambiente acolhedor, tal como fizera eclodir os
ovinhos das rãs guineenses, fizera germinar a semente mentolada. Nascera-lhe
uma árvore no nariz. A mulher ainda pensou em arrancá-la com uma pinça tal
como fazia aos dois pêlos que lhe nasciam no queixo por cima de uma cicatriz
antiga. Porém, ao segundo relance, resolveu deixá-la estar. Pois não havia quem
andasse de anilha de bovino no nariz, alargador na orelha, corpo tatuado,
postiços de gel em cima de unhas ratadas? Porque não haveria ela de andar nos
transportes públicos, no supermercado, trabalhar ao balcão do banco, participar
nas reuniões de condomínio, com uma pequena árvore pendurada no nariz?