Voltei ao Porto. Trouxe da loja do Rui Carlos vários livros de uma tal Luísa Teles,
conhecida professora, que morreu há coisa de dois anos, sozinha num apartamento
de tectos estucados. Ao que parece era uma velha com muito mau feitio,
autêntico camafeu, deu-lhe uma convulsão, espumou da boca, arranhou o rosto com
as unhas azuladas e finou-se num instantinho.
Entre outras coisas, trouxe uma edição
muito bonita e sóbria - título e nome do autor emoldurados a vermelho e
cor-de-laranja - de “Uma abelha na chuva”. É um consolo olhar para um livro
assim. Também trouxe uma colectânea de poesia árabe. Não sou apreciadora
de poesia tal como não sou apreciadora de bacalhau ou de bebidas brancas. Sei
que é uma falha grave para quem alardeia o gosto da leitura. Vai daí, lá de vez em
quando, faço um esforço. Ainda este Verão, a Mila, enquanto molhávamos os pés
na água fria, me falou com emoção de um poema da Natália Correia. Fui à procura
dele, li-o e nada, nem ai, nem ui, palavras bonitinhas, coceguentas, pouco
mais. A poesia não me aquece, nem me arrefece, dá-me sonolência e um
aborrecimento de frígida. Trouxe mais quatro ou cinco livros de escritores
portugueses que são os que mais gosto de ler. Mas o grosso da escolha recaiu sobre vários livros da Agustina Bessa-Luís, antigas edições da Guimarães, que as
novas, as azuis, da defunta Babel dão-me calafrios, pretensiosas, feias, tão
canastronas.
O Rui Carlos, antes de me entregar os livros,
passou-os a pente fino, tirou bilhetes, contas, folhas, flores, vários esboços
de desenhos, duas cartas em papel translúcido, caligrafia inclinada, maiúsculas
dramáticas, de golpe acentuado. Perante o meu protesto, explicou que prometera
aos filhos da tal Luísa Teles preservar a intimidade da mãe. Fiz beicinho a ver
se o demovia. Sou um homem de palavra, Aninhas, escusas de fazer essa carinha
laroca, espetar o rabo nessa saia justa e bater as pálpebras, que não me
convences. Ficou um montinho de papéis em cima do tampo de mármore, o último
era um cartão de militante do PCP, bem vi a foice e o martelo; eu, aguada, a
olhar.