Andava por ali, mole, espapaçada do calor, desinteressada,
triste por sentir as calças de ganga ligeiramente apertadas. Estava já de saída
quando, numa prateleira baixa, alinhados, descobri vários livros do Albert
Cossery. Um encontro feliz. Li páginas soltas e, de imediato,
escolhi três livros. Perto do balcão, desacelerei na espiral consumista:
lembrei-me de que ainda precisava de passar pela perfumaria para comprar uma
base de verão. Comprar três livros, mais uma base da dior, assim de uma
assentada, pareceu-me um capricho, um devaneio perdulário, apetecível, mas
revelador de destrambelhamento e desorientação. Decidi levar apenas dois livros,
o das entrevistas (5 euros) e a colectânea de contos (12 euros). Ainda pensei
em prescindir da base de verão, mas, na minha vida, a estética pesa tanto como a literatura e a frivolidade por enquanto fica-me bem. Percebi, no
entanto, que desejava ter exactamente aquele exemplar de “Mandriões no vale
fértil”. Não outro qualquer. É raro acontecer, mas, por vezes, dá-se uma
espécie de magnetismo entre mim e certos livros. Deve ser uma sensação parecida
com o amor à primeira vista. Há livros cheios de sedução fantasmagórica que parecem dizer-me assim: sou teu, és minha, leva-me para o teu quarto, toca-me
com os teus dedos curtos de cutículas roídas, depois esquece-me nos
entremeios dos teus lençóis. Não deve haver muita gente à procura dos mandriões
do vale fértil. Tenho a certeza de que, deixando o livro na prateleira onde o encontrei,
daqui a uma semana, um mês, um ano, voltaria a encontrá-lo no mesmo lugar. Mas,
à cautela, não vá o diabo tecê-las e um qualquer parvalhão pegar nele, enfiei-o
atrás de uma fila de livros técnicos, num canto escuro onde ninguém o encontrará.