2013/08/22

Encontro feliz

Andava por ali, mole, espapaçada do calor, desinteressada, triste por sentir as calças de ganga ligeiramente apertadas. Estava já de saída quando, numa prateleira baixa, alinhados, descobri vários livros do Albert Cossery. Um encontro feliz. Li páginas soltas e, de imediato, escolhi três livros. Perto do balcão, desacelerei na espiral consumista: lembrei-me de que ainda precisava de passar pela perfumaria para comprar uma base de verão. Comprar três livros, mais uma base da dior, assim de uma assentada, pareceu-me um capricho, um devaneio perdulário, apetecível, mas revelador de destrambelhamento e desorientação. Decidi levar apenas dois livros, o das entrevistas (5 euros) e a colectânea de contos (12 euros). Ainda pensei em prescindir da base de verão, mas, na minha vida, a estética pesa tanto como a literatura e a frivolidade por enquanto fica-me bem. Percebi, no entanto, que desejava ter exactamente aquele exemplar de “Mandriões no vale fértil”. Não outro qualquer. É raro acontecer, mas, por vezes, dá-se uma espécie de magnetismo entre mim e certos livros. Deve ser uma sensação parecida com o amor à primeira vista. Há livros cheios de sedução fantasmagórica que parecem dizer-me assim: sou teu, és minha, leva-me para o teu quarto, toca-me com os teus dedos curtos de cutículas roídas, depois esquece-me nos entremeios dos teus lençóis. Não deve haver muita gente à procura dos mandriões do vale fértil. Tenho a certeza de que, deixando o livro na prateleira onde o encontrei, daqui a uma semana, um mês, um ano, voltaria a encontrá-lo no mesmo lugar. Mas, à cautela, não vá o diabo tecê-las e um qualquer parvalhão pegar nele, enfiei-o atrás de uma fila de livros técnicos, num canto escuro onde ninguém o encontrará.