2015/02/01

Olho

Depois de dar o almoço aos miúdos, fui ao Pingo Doce fazer as compras da semana. Comprei bolachas e pacotinhos de leite com chocolate para os lanches, esparguete, macarrão, arroz, azeite, lixívia, listerine, duas garrafas de vinho, ervilhas, batatas, cebolas, tofina, comprei borrego, frango e carne de vaca para estufar com cenouras e nabo. Esta semana não trouxe peixe. O meu luxo foi trazer um gel de banho da le petit marseillais. É caro, muito caro para a minha carteira, mas a minha filha gosta do cheiro a leite de baunilha. Compro com cuidado, comparando preços, procurando sempre as promoções e o que é mais barato. Quando pago a conta penso sempre na sorte que tenho em ter um ordenado mensal, fixo, que me permite alimentar, cuidar dos meus filhos. Quando cheguei a casa, depois de poisar os sacos na cozinha, corri aos quartos. O João esmerava-se nas cábulas para o teste de Geografia, a Madalena e o Joaquim, cabeças debruçadas sobre os livros, escreviam. “Já sei escrever olho”, disse-me o mais pequeno. Senti uma alegria genuína, intensa, única. Coisa tão parva. Aproximei-me, beijei-lhe os caracóis e disse baixinho “Meu amor, gosto tanto de ti.”Arrumei as compras, organizei a despensa e o frigorífico. Desfiz o tomilho-limão sobre a carne de vaca que deixara já temperada com alho. Depois, cônscia de que a minha liberdade é sempre efémera, deitei-me atravessada na cama a ler a Adília Lopes. Entrava um sol morno pela janela e a minha rua, de prédios altos, pareceu-me bonita, ampla. Li a nota que a Adília escreveu para o seu livro: “Acho que era a Sylvia Plath que estava convencida, por volta de 1950, que para escrever romances era preciso ter amantes e fazer viagens. É um mito, isso dos amantes e das viagens. Pode-se ser feliz e escrever romances sem ter amantes e se fazer viagens. Mais importante que amantes e viagens é ter um espaço próprio, um domínio, um território, uma casa, pelo menos um quarto com privacidade, como muito bem viu Virgínia Woolf”. Continuei a ler, li dois ou três textos, depois peguei em “ A Letra Escarlate” que ando a reler e onde, ontem, já tão tarde, descobri a palavra “cônscio”