2006/07/07

Grilos

Na estação, com os olhos ainda empapados de sono, faço uma descoberta. Para além do ruído dos comboios, das obras, das conversas dos passageiros, dos carros, do piar dos pardais e dos pombos, há um outro barulho que se ouve. São grilos. Ouvem-se grilos nesta estação de subúrbio. O ruído, que parece um crocitar de chamas, não lhes sai pela boca. É sabido. Tal ruído é provocado pela vibração dos corpos dos machos durante a altura do acasalamento para atrair as fêmeas. Explicou-me o meu pai que sabe tudo sobre bichos. Onde se escondem os grilos machos nesta estação? Não os vejo e, no entanto, o cri-cri que eles fazem diz-me que eles estão por perto. E por onde andam as fêmeas? Ora, aqui está um assunto que verdadeiramente me interessa. Mais, muito mais, que os outros que fazem as capas dos jornais. Não me interessam os mísseis provocatórios que a Coreia lançou sobre o mar. Nem sequer o impasse eleitoral no México. Ando cansada do mundo e o mundo, sei-o, anda cansado de mim. Concentro-me, pois, nos grilos e no som que fazem. Parece uma sinfonia minimalista, moderna e desinteressante. Os grilos só podem estar por baixo das pedras que preenchem os carris. É de lá, das profundezas da estação, que vem o som. Deve haver centenas de grilos nesta estação. Acasalando. O meu comboio chega. Uma anaconda gigante. A maior do mundo. Engole-me de um só trago.