2006/08/01

Condoleezza (2)

Continuamos a almoçar enquanto o Paulo Camacho fala no televisor. Gostava de ser imune ao sofrimento alheio. Sufoco nestes dias de guerra maior. Sinto-me fútil, abjecta, com a minha depressão. Tenho até vergonha de dizer que tenho uma depressão, doença dos que têm tudo, dos fracos que precisam do supérfluo para viver. Quem morre de fome não se pode dar ao luxo de estar deprimido. Estou nestes pensamentos narcísicos, quando o meu pai tira os olhos do televisor onde a Condoleezza Rice, num impecável fato branco, assegura ainda ter esperança num cessar-fogo. Estranho. O meu pai tem uma admiração enorme pela secretária de estado americana. Desconfio que ele até deve ter sonhos eróticos com ela. Olha-me. “Ana Clara, você hoje está com muito mau aspecto!”. Faz uma careta. “Esses olhos…Parece que alguém lhe bateu.” E remata com outra careta. Não lhe respondo. Há muitas maneiras de se ser sovada, penso. Tantas. O meu pai retoma a refeição. Fixa os olhos de novo no televisor, triste por ter como filha uma medíocre jurista de um instituto público, levemente desequilibrada, levemente instável, e não uma condoleezza rice, poderosa, de traços indianos, e sapatos clássicos, de verniz preto.