2007/01/14

Curtorim

Sento-me no adro da igreja, que fica junto a uma lagoa cheia de nenúfares brancos. Entardece. Na escadaria, três homens falam um português correcto e antigo, um português sossegado, que não tem pressa de chegar a parte alguma, um português doce e calmo. É a primeira vez que aqui, em Goa, escuto português falado espontaneamente. Entardace. Lá dentro, o meu pai fala com o padre vigário, que usou uma batina branca e umas sandálias nos pés durante a missa. Os três homens continuam a conversar. Escuto-lhes as palavras. Percebo que falam sobre mim. Um deles aproxima-se e, em inglês, com uma delicadeza a que não estou habituada, pergunta-me se não sou familiar de um tal Alvito de Souza. Respondo-lhe em português que não, que não conheço nenhum Alvito de Souza, que sou neta da família Rebelo de Maina, a aldeia mesmo ali ao lado. O homem sorri e leva-me para junto dos outros homens. Explicam-me que conhecem bem a minha família. Apresentam-se: Rafael Viegas, Dr. Cunha Menezes e José Mascarenhas. Entardece. A conversa escorre entre nós como se nos fossemos velhos conhecidos. Os goeses têm uma identidade própria, são a simbiose perfeita entre o oriente e o ocidente. Mas têm a fragilidade das porcelanas antigas que guardam dentro dos louceiros de outros tempos. São como a fímbria do mar. Entardece. Lá dentro o meu pai continua a sua conversa com o padre vigário. Não fala em português, mas em concanim, língua labiríntica, e inglês, esse linguajar bárbaro e deslavado que tomou conta destas paragens.