Via passar os carros funerários, quando era pequenina, e achava-os lindos. Eram pretos e compridos. Passavam por mim, lentos, sempre envoltos num halo de sofisticação e cerimónia. Através dos vidros fumados via coroas de flores, colchas debruadas a fio dourado e mulheres pesarosas, tão bonitas nos seus vestidos de luto. Um dia, enquanto esperávamos na paragem de autocarro perto do hospital onde trabalhava, expliquei à minha mãe que gostava daqueles carros. Ela olhou-me com horror durante longos segundos e depois largou um Ai filha, não digas disparates! Em surdina, disse que aqueles carros levavam os mortos aos cemitérios. A minha mãe falou da morte como se a morte não fosse coisa dos vivos. A morte acontecia aos outros, aos indigentes, aos doentes, aos muito velhos, inevitavelmente, aos quase mortos. A atitude da minha mãe, em relação à morte, foi de tal distância que, na minha cabeça de menina, me convenci de que ela, tão viva, nunca me morreria. Aos trinta e cinco anos continuo convencida de que a minha mãe nunca me morrerá.
(Começam a morrer as mães da minha geração.)