2008/11/19

Laranja

À porta do edifício, encontrei um menino com lábio leporino. Chupava uma laranja na sombra da saia da mãe, uma negra imensa que, com gestos largos, falava com outra mulher. Gargalhavam as duas africanas enquanto o menino do lábio leporino procurava passar despercebido para que ninguém notasse a feiura da sua fissura labial. Chupava a laranja com recato e evitava as momices próprias das crianças da sua idade. Passei devagarinho e olhei-o descaradamente, com vagar, como que a querer fixar-lhe os traços disformes do rosto. A desgraça e a miséria dos outros consola-me sempre. É terrível mas é mesmo assim. O menino sentiu-se olhado e sorriu-me com timidez. Tinha uns olhos lindos. Apeteceu-me trincá-lo como a um gomo de laranja.