2010/08/25

Pirolito

Depois de estivador o meu filho mais velho quer ser agente da polícia judiciária. Agente e não inspector, esclarece enquanto limpa a loiça que lhe passo para as mãos. Não quer que me assuste a imaginá-lo numa faculdade de direito. Ela sabe que a mãe, débil, não resistiria a tamanho desgosto na vida. Deve ser triste, profundamente desolador, traumático mesmo, ter um filho que quer ser advogado ou gestor ou coisa que o valha. O João, talvez influenciado pelo criminoso de Carqueja, confessa, porém, que o amedronta a possibilidade de ser perseguido por um psicopata. Tenho medo mãe, e dá-me um abraço pateta em busca de consolo enquanto limpo, freneticamente, com um escovilhão azul petróleo, os biberões do Joaquim. Quer que a pobre mãe, lacrimosa, cujas entranhas lhe serviram de primeira morada, se compadeça com o seu trágico destino: agente da polícia judiciária perseguido por um qualquer maníaco da margem sul. Ou de Barcarena. Ou de Massamá. Ou de Camarate (em Camarate há um que eu já o vi, entre couves galegas e alfaces, piscando os olhos a uma fiada de bonecas empaladas). Termino o que estou a fazer e estilhaço o seu futuro de sofrimento e perseguição. Explico-lhe, olhando-o nos olhos, que não tem nada a recear. A psicopatia, por razões que não domino, é coisa de homens e os homens, toda a gente sabe, são muito merdosos e cobardes. Está-lhes na massa do sangue. Não valem um pirolito. Os psicopatas só gostam de matar mulheres, homossexuais e criancinhas. Ele escuta calado enquanto eu continuo por aí fora, animada com aquela oportunidade, não esperada, de poder insultar gratuitamente o género masculino. És louca, mãe, já te devias ter divorciado há muito tempo, diz-me por fim e sai da cozinha muito mais aliviado.