2011/01/08

Arkansas

Só alguns dias mais tarde apareceram as primeiras explicações nos jornais. O barulho dos fogos de artifício assustara os pássaros que descansavam nos ninhos. O rebentar simultâneo de milhares de foguetes, celebrando o novo ano, fizera-os despertar do seu sono palpitante. Segundo um especialista, as aves teriam tido um choque profundo, a explosão de ruído e luz provocara-lhes desorientação e cegueira. Alguns pássaros explodiram por dentro, sangraram pelos olhos; outros puseram-se a voar num descontrolo absurdo, batendo em chaminés, paredes, postos de iluminação, placards publicitários. Naquela noite, porém, ninguém encontrou razão que explicasse a chuva de pássaros e a multidão, que viera ao cais assistir ao fogo de artifício, emudeceu quando as aves começaram a cair.

Até que um homem se pôs a gritar que aquilo era um sinal divino, deus, zangado, anunciava o fim do mundo. Estava no livro sagrado. Uma mulher deu uma gargalhada, mangando da ignorância do crente. Desviou a objectiva das cascatas de luz e começou a fotografar o fenómeno, procurando o melhor ângulo para uma documentação credível. Um homem bonito, de olhos espessos, aproveitou a primeira agitação da multidão. Protegeu o rosto com as mãos e começou a abrir caminho na multidão. E se alguma ave, ao cair, lhe acertasse de bico, rasgando-lhe o rosto, marcando-o para sempre? Uma mulher gorda, que morava perto do cais, gritou ao marido que, na manhã seguinte, apesar de ser dia de ano novo, teriam de varrer o telhado e inspeccionar os algerozes. Só uma rapariga se comoveu com aquela mancha de morte. Apanhou um tordo que caiu aos seus pés e sentiu-lhe o corpo morno.