O operário desceu os sete lances de escadas. Chegou cá abaixo e explicou ao encarregado da obra que o morador do 7º-A se recusava a tirar os seus pertences da varanda: vasos, colchões velhos, cadeiras, até um armário de madeiras podres. Também se recusava a apanhar a roupa que se encontrava a secar nos dois estendais da janela da cozinha. O encarregado da obra era um homem sábio. Escutou em silêncio. Conhecia muitos axiomas e teorias. Sabia, por exemplo, que, sempre que nos aparece um problema pela frente, o melhor a fazer é torná-lo no problema de outra pessoa e esperar que ela o solucione. Olhou para a janela do 7º-A. Viu um homem de olhar alucinado; era Baltazar Abelha que os espreitava com um olhar ameaçador. Nem por um momento lhe passou pela cabeça subir os sete lances de escada e tentar convencer o morador do 7º-A a retirar todos os seus pertences da varanda e estendais. Explicou ao operário que deveriam esquecer o sétimo andar e começar, desde já, a pintura do oitavo andar. Ligaria para a câmara ao final do dia. Eles que mandassem algum técnico da divisão administrativa tratar do assunto. Por ele, o edifício C do bairro camarário podia ficar assim: fachadas tratadas com aprumo, raspadas, reparadas, banhadas com impermeabilizantes anti-musgo e anti-bolores, pintadas a rolo com a cor escolhida pelos arquitectos da câmara, um rosa chá muito clarinho, a fazer lembrar vivendas à beira-mar com floreiras perfumadas; as paredes exteriores do 7º-A mantendo para sempre a sua cor original, azul tempestade, esboroado, estalado, furioso, cheio de manchas de salitre.