Diz-se que o tempo tudo cura, mas o
silêncio é de melhor serventia, tudo apaga, não se falando das coisas é como se
elas não existissem. Aconteceu o mesmo a Odete. Foram-se as agonias, o
mal-estar inicial, calou frustrações, chegou o filho, sumiu-se de vez o
sofrimento. A maternidade, para além da perpetuação da espécie, serve muitas
vezes para secundarizar uma mulher. Foi nessa instrumentalização que o destino
de Odete se cumpriu. Passados tantos anos, tantos domingos, uma vida inteira,
ficou lá dentro uma coisinha, uma dor a saracotear no fundo do peito, uma
dorzita que é quase nada, Odete já não dá por ela, fracota, extingue-a
diariamente com uma alegria breve, uma gargalhada solta em frente da televisão,
dois dedos de conversa com a Nanda, a satisfação de um casaco comprado nos
saldos, custava sessenta e cinco euros e comprei-o a trinta, rica pechincha.
Fica o casaco durante o inverno dentro do armário porque ganha borboto com
muita facilidade, a fazenda é ordinária e a cor demasiado viva, inadequada à idade
que tem, mas a alegria breve, essa que cala a dor, já ninguém a leva.