Depois de dar o almoço aos miúdos, fui ao Pingo Doce fazer
as compras da semana. Comprei bolachas e pacotinhos de leite com chocolate para
os lanches, esparguete, macarrão, arroz, azeite, lixívia, listerine, duas
garrafas de vinho, ervilhas, batatas, cebolas, tofina, comprei borrego, frango
e carne de vaca para estufar com cenouras e nabo. Esta semana não trouxe peixe.
O meu luxo foi trazer um gel de banho da le petit marseillais. É caro, muito
caro para a minha carteira, mas a minha filha gosta do cheiro a leite de baunilha.
Compro com cuidado, comparando preços, procurando sempre as promoções e o que é
mais barato. Quando pago a conta penso sempre na sorte que tenho em ter um
ordenado mensal, fixo, que me permite alimentar, cuidar dos meus filhos. Quando
cheguei a casa, depois de poisar os sacos na cozinha, corri aos quartos. O João
esmerava-se nas cábulas para o teste de Geografia, a Madalena e o Joaquim,
cabeças debruçadas sobre os livros, escreviam. “Já sei escrever olho”, disse-me
o mais pequeno. Senti uma alegria genuína, intensa, única. Coisa tão parva.
Aproximei-me, beijei-lhe os caracóis e disse baixinho “Meu amor, gosto tanto de
ti.”Arrumei as compras, organizei a despensa e o frigorífico. Desfiz o
tomilho-limão sobre a carne de vaca que deixara já temperada com alho. Depois, cônscia
de que a minha liberdade é sempre efémera, deitei-me atravessada na cama a ler
a Adília Lopes. Entrava um sol morno pela janela e a minha rua, de prédios
altos, pareceu-me bonita, ampla. Li a nota que a Adília escreveu para o seu livro: “Acho que era a Sylvia Plath que estava convencida, por volta de 1950, que para
escrever romances era preciso ter amantes e fazer viagens. É um mito, isso dos
amantes e das viagens. Pode-se ser feliz e escrever romances sem ter amantes e
se fazer viagens. Mais importante que amantes e viagens é ter um espaço
próprio, um domínio, um território, uma casa, pelo menos um quarto com privacidade,
como muito bem viu Virgínia Woolf”. Continuei a ler, li dois ou três textos,
depois peguei em “ A Letra Escarlate” que ando a reler e onde, ontem, já tão tarde, descobri a
palavra “cônscio”.