Na breve biografia que aparece na contracapa de “Zé Susto e a Bíblia dos Sonhos”, como é hábito nos seus livros, refere-se que Sylvia Plath, suicidando-se em casa, com gás, teve o cuidado de proteger os filhos (o suicídio, para além de poético, é um bom trunfo, ajuda a vender um autor). Sempre me causou estranheza tal preocupação. Há qualquer coisa que não bate certo. Por que quis Sylvia proteger os filhos se, com a sua morte, causou a maior violência das suas vidas? Uma mulher que pensa na morte, que a deseja, no delírio próprio dos suicidas, nessa embriaguez que embaraça assim que a lucidez volta, se os tem, pensa nos filhos. Sabe que não há nada mais devastador para um filho do que a revelação do desejo de morte da própria mãe. Como sobrevive uma criança a esse abandono? Quase sempre, para o bem e para o mal, a maternidade impõe-se e tolhe a liberdade da mulher. A mulher hesita, recua, culpabiliza-se.
Os filhos salvam e, ao mesmo tempo, condenam a mãe suicida. Por sua vez, a mãe suicida, quando decide ficar, salva e, ao mesmo tempo, condena os seus filhos. Pode passar o resto da vida a ensaiar sorrisos, a fingir alegria e normalidade, pode até tentar transformar-se noutra mulher, libertando-se da angústia, do aborrecimento, do desespero, mas dificilmente conseguirá esconder o desejo de fuga que um dia sentiu. Haverá uma altura em que um olhar, uma frase, uma palavra, até um simples gesto, revelará a dimensão da sua loucura. Viva ou morta, a mãe suicida é o carrasco dos seus filhos. Faz-lhes mal vivendo, faz-lhes mal morrendo. Acho que uma mãe suicida nunca consegue proteger os seus filhos. É por isso que, por mais que reflicta, não consigo perceber a preocupação de Sylvia Plath. Na manhã de 11 de Fevereiro de 1963, vedou completamente o quarto dos filhos com toalhas molhadas, deixou leite e pão doce perto de suas camas, abriu as janelas do quarto. Nevava nessa manhã de Inverno. Fazia muito frio. Quando abriu a janela, Sylvia deve ter olhado por instantes a rua. Talvez tenha sentido o vento no rosto, nos cabelos, na curva do pescoço. Voltou para a cozinha, tomou vários comprimidos e deitou a cabeça sobre uma toalha no interior do forno, com o gás ligado.