As hesitações da testemunha parecem aborrecê-la. Enquanto pede esclarecimentos, a procuradora mexe na pulseira que traz no pulso. É uma pulseira em malhinha de ouro branco, discreta, baça, tem apenas a graça do fecho amarelo. Talvez por estar um pouco larga, insiste em descair e esconder-se por baixo da manga larga da beca. Sempre que tal acontece a procuradora procura-a e volta a colocá-la na zona do pulso. Nesse gesto, sobretudo no modo estranho como, depois de a voltar a colocar no pulso, com contida perturbação, fica a acariciar a pulseira, tudo desaparece ou se esbate: a bandeira caída, os códigos, os volumes do processo, a chuva que bate nos vidros. Existe apenas a mão da procuradora, mão de cera, unhas pintadas de vermelho escuro, com uma pulseira de ouro branco no pulso. A pulseira - vê-se bem - foi um presente recente, certamente de alguém muito importante na sua vida, um noivo, um namorado, um amante (depois de árvore, amante é a palavra mais bonita da língua portuguesa). A procuradora faz um esforço para se manter atenta à dinâmica do acidente, mas, por baixo da negra beca, qualquer coisa nela se anima.