No rebordo da banheira da casa de banho dos meus pais, no apartamento da Portela, ao lado dos frascos de champô e gel de banho, havia sempre uma pedra-pomes. Servia para a minha mãe raspar os calos dos pés. A cor da pedra-pomes, bonita e esbatida, variava: verde clarinho, azul clarinho, cor-de-rosa clarinho. Era leve, porosa e flutuava na água. Passava a mão pela superfície daquele pequeno rectângulo do tamanho de um sabonete e sentia a sua rugosidade. Com o uso, o contínuo raspar das peles duras dos pés da minha mãe, a pedra perdia a forma inicial. Suas arestas deixavam de ser aprumadas, verticais, para ganharem curvas acentuadas que tornavam maior a minha estranheza. Perante a evidente desadequação entre nome e objecto - as pedras eram sólidas, compactas, pesadas, afundavam-se quando tentava fazê-las saltar na ribeira de São Bartolomeu - perdia certezas, tornava-me desconfiada.