2009/01/22

Flannery O'Connor

(não gosto de pavões.)

2009/01/19

Chispe

Vou ao supermercado com os meus filhos. O mais velho desliza pelos corredores com as mãos enfiadas nos bolsos e as calças descaídas. A do meio saltita como se fosse uma libelinha, uma borboletinha, um bichinho delicado e frágil. O mais novo entretém-se a chupar os dedos, enterrado no carrinho que parece um trono. As pessoas que connosco se cruzam lançam sorrisos cheios de enlevo, como se, dessa forma, quisessem partilhar a nossa felicidade. A imagem de uma mãe com os seus filhos é sempre agradável, conforta-nos do vazio da vida, trata todas as maleitas do mundo, ameniza as quezílias do dia-a-dia. Há quem se meta com o bebé que, encantador, retribui com um sorriso baboso. Rejubilo com as minhas crias que me dão corpo e me tornam especial no corredor dos enlatados, na fila da peixaria, no açougue asséptico onde escolho embalagens de peru, galinha, coelho e, num devaneio incontrolável, um pedaço de chispe para fazer cachupa. Na caixa registadora, depois das pastilhas, chocolates e sacos de gomas, enquanto limpo o nariz da minha filha, topo com um escaparate cheiinho de revistas femininas, dessas revistas que toda a vida fiz questão de desprezar. Uma das revistas prende a minha atenção. Na capa, ao lado da imagem de uma miúda desgrenhada, magra e feia, oferecem-nos o kamasutra do sexo oral. O assunto interessa-me. Fosse eu uma mulher da má vida e seria conhecida, nos bordéis e lupanares desta cidade, pela exímia competência da minha boca. Faço deslizar a revista para o carrinho das compras e sorrio à menina da caixa, uma mulata bexigosa, que elogia os olhos dos meus filhos.

2009/01/12

30 anos

Esgotou-se-me a verve. Acontece. Não sou capaz de escrever. Nem sobre a Palestina. Nem sobre o cão do senhor presidente. Nem sobre os autocarros de Barcelona. Nem sobre os meus filhos. Nem sobre a dieta que me deixa a boca a saber a aipo. Nem sobre as prostitutas do primeiro andar. Nem sobre o canibal da Brandoa. Nem sobre o livro em que habito dois parágrafos. Nem sobre o frio. Nem sobre canções de embalar. Nem sobre este país que me aborrece. Nem sequer, e é isto que me custa, sobre a libido bacoca dos homens de trinta anos.

2009/01/05

Amos Oz

(Nunca li nenhum livro do Amos Oz. E devia.)

2009/01/04

Seguidores

De há uns tempos para cá, cada vez que abro a aplicação do blogger aparece-me uma lista, pequena é certo, de seguidores. É-se seguidor de uma seita, de uma religião, de quem alardeia profecias e promete a resolução da disfunção eréctil com a mesma facilidade que promete a felicidade eterna. Ser seguidor de um blogue é, desculpem-me a sinceridade, uma coisa um bocado parva.

Ganges

Voltei ao ginásio. No balneário vi-me rodeada de rabos cheios de celulite enfiados em cuecas fio dental. Compadeci-me daqueles pobres rabos agrilhoados. Há o rabo descaído da jurista sénior que tem focinho de doninha. Há o rabo da histérica, apreciadora de pratos de tofu, que faz os exercícios todos, os esquemas todos, as séries de abdominais todas, que nunca se engana em nenhum passo. Há o rabo empinado, lisinho e bonito da professora. Conheço bem estes rabos. Já quase consigo encará-los sem fazer um esgar de nojo profundo. Hoje, porém, ia morrendo. Estava eu a vestir-me, calmamente, e a topar os movimentos das outras mulheres quando saiu do chuveiro uma rapariga que também frequenta a minha aula de ginástica. É uma rapariga cujos traços anunciam uma castidade genuína. Tudo nela é virginal. A pele leitosa. O sorriso beato. O cabelo claro e ondulado. Os pelos púbicos ralos. Os mamilos feios. Eu olho para ela e tenho a certeza de que tem filhos, pertenceu, quando nova, ao grupo de jovens da paróquia, é fiel e feliz com um marido calvo e magrinho. Estava eu a olhar para ela e a compadecer-me do seu rabo, cheiinho de celulite, uma autêntica gigantesca casca de laranja, quando a vejo puxar de umas cuecas pretas. Estranhei, confesso, o preto. Ela vestiu as cuecas e passou ao sutian. Para meu espanto, em vez de as esconder, deixou as horríveis nalgas, cheias de buuraquinhos, à mostra. Descri. Pensei, juro que imaginei, que ela tinha umas cuecas normais e só que, por descuido, as deixara enfiadas no rego do rabo. Mas não. Percebi que ela estava a usar um fio dental quando lhe olhei para o rosto e vi o ar satisfeito que tinha. Quando uma mulher assim, uma mulher que sabe o acto de contrição, cede à ordinária tentação de usar uma cueca fio dental é sinal evidente de que o mundo está perdido. Saí desanimada do balneário. Com vontade de mergulhar nas águas sujas do Ganges para me livrar desta imundície.
(Fevereiro 2007)

2009/01/01

Nojoud

(Qual Obama, qual carapuça. A figura internacional do ano de 2008 é Nojoud Mohammed Nasser, a menina iemenita de oito anos que, ao pedir o divórcio do marido, trinta anos mais velho, mostrou ao mundo que a liberdade individual está ao alcance de todos.)