2013/01/27

Pai



(Esqueço sempre os teus erros; os meus ficam cá dentro, espinhos enterrados na carne. As noites em Deli, sentados na cama, tu, como se fosses um miúdo pequeno, a contar a história da tua vida, os nossos terrenos de Dicarpale, tão bonitos, sobre a várzea abandonada, a viagem pelo Rajastão com o motorista dos Himalaias que cuspia escarros vermelhos de supari,  a ladainha escutada na capelinha perto dos campos onde levavas os búfalos a pastar, as  tuas conversas com Vixnu, o mandukar hindu desdentado, as masalas dosas que me trouxeste para jantar nos dias em que fiquei a escrever, o abraço longo depois da primeira discussão. Amo-te.)

2013/01/12

Gold Flake

Escuto o JP Simões na noite goesa. São quase dez horas, o meu pai já dorme, corpo moído da confusão das repartições públicas de Margão; fumo um Gold Flake na varanda do meu quarto, as gralhas estão caladas e Chitra, a rapariga que trata das vacas do Marlindo, lá em baixo, queima um pau de incenso junto do tulsi que a tia Maria, depois de consultar o padre da aldeia, consentiu que plantasse.  

2013/01/07

2013/01/04

Agra


Escrevo no átrio do hotel Agra Mahal, pardieiro imundo, a banheira cheia de sujidade, os lençóis puídos, húmidos, rasgados, com nódoas dos clientes anteriores. Há um altar a Hanuman, o deus macaco, outro a Ganesh, o deus elefante, um grande lustre de pingentes vermelhos ao cimo da escadaria. Cheira a incenso e o empregado do hotel sobe e desce as escadas com ferramentas ferrugentas nas mãos. Parece haver sempre qualquer coisa para arranjar neste lugar. Está sentado ao meu lado o filho do dono do hotel, um menino de três anos que cheira a sementes de anis e a pó de talco. Tem uns olhitos muito redondos e doces. Corre para o balcão da recepção, dá uma gargalhada e vem numa corrida enterrar-se no meu colo. Fala em hindi, não percebo uma palavra do que diz, faço-lhe festas no nariz, ele volta a rir. Tenho saudades dos meus filhos.