2006/09/29

Verdes Anos

No correnteza do comboio há figueiras de folhas largas e puras, nelas não se enforcou Judas, nem ninguém, há retalhos de terra cansada onde velhos plantam couves galegas e outras coisas, cenouras, batatas, nabos, espinafres, há colmeias na chapada do monte, mesmo por baixo de uma bomba de gasolina, há pergólas endemoninhadas feitas por ervas bravias, heras, ortigas, trepadeiras com campânulas em flor, há prédios de papelão onde vivem pessoas de papelão, vejo agora, ali, um homem de papelão espreguiçando-se numa janela e um braço de mulher que nele se enlaça como se fosse uma serpente sibilante. Adão e Eva. Há ruínas habitadas pelo silêncio e o vento. Lá em baixo, Ilda e Júlio tropeçam nos regatos que são animais mansos. As suas gargalhadas sobem pelo ar como se fossem bolas de sabão. Translúcidas, efémeras, com todas as cores lá dentro, a morte também lá está, disfarçada de vida. Entram as gargalhadas com corpo de bola de sabão pelas janelas do comboio. Por breves instantes ficam rendilhadas. Tornam-se em quase nada. Depois rebentam no meu nariz e nas minhas mãos. Plof.