2009/09/25

Euromilhões

Na fila do euromilhões, entre duas mulheres já rançosas, ouvi assim:
-Ó Anabela, ouve lá, o que é ca Adelaide queria ontro dia?
-Quando?
-Ontro dia, filha, quando ligou cá prá loja!
-Ah! Queria saber onde é que fiz a tatuagem...
-Qual delas?
-A da serpente que fui fazer ca Marisa à Bobadela.
-Qual?
- Ó filha, a que fiz na bochecha do rabo!
- Ficou bem?
-Pois ficou! No Verão vou arrasar na praia, vais ver...
-Há-des mostrar-me... Se gostar, também faço uma...
Eu queria escrever um textozinho sobre as legislativas. Sem cair na tentação da análise rigorosa e séria da coisa. Para isso estão cá outros com maior habilidade. Queria escrever sobretudo sobre o incómodo que me provoca a indecisão do meu voto. Tanto que eu queria mandar a mundividência às ortigas e votar numa mulher. Eu, que toda a minha vida acreditei na infinita superioridade das mulheres, queria ter uma primeira-ministra férrea que mostrasse que o país se governa como uma casa e se educa como um filho. Não consigo. Não consigo votar na MFL e não consigo explicar por que razão não voto nela. É que fiquei atarantada com os ontros, os cas e as rabais tatuagens das mulheres da fila do euromilhões. Eu sou, juro que sou, contra o voto universal. Há muita gente que não merece o direito ao voto. Por exemplo, toda a gente que aparece na Caras e afins não devia poder votar. A Elsa Raposo não devia poder votar. A Cinha Jardim não devia poder votar. Toda os portugueses que cantam em inglês não deviam poder votar. Todos os que acham que a Mafalda Ivo Cruz é uma grande escritora não deviam poder votar. O Emídio Rangel, prestando vassalagem ao primeiro-ministro na RTPN, não devia poder votar. Todos os entusiastas das lx factorys, das mercearias gourmet e de arte periférica não deviam poder votar. O senhor que, há uns anos, fez aquela adaptação cinematográfica do crime do padre amaro não devia poder votar. Todas as pessoas que, nunca leram o crime do padre amaro (como se pode viver sem ter lido o crime do padre amaro?), mas viram o filme e gostaram muito, não deviam poder votar. A Bárbara Guimarães, claro está, não devia poder votar.