2009/10/30

Finados

Fiz um bolo de nozes para a minha sogra oferecer, pelo dia de finados, à sua comadre Maria. É tradição lá da terra. A minha sogra já não consegue cozinhar e a Fátinha, empregada de uma vida, fugiu-lhe de um dia para o outro com um namorado sapateiro. Quando me casei gostava do meu marido e desdenhava a sua aldeia, de casas feias, e a família, conservadora. Passado tanto tempo desdenho o marido e gosto da aldeia e da família. Adiante. A comadre da minha sogra vive do outro lado da estrada, tem cinco filhas de olhos claros, muito bonitas e altas, de cabelos aos cachos, parecem patrícias romanas, um filho polícia, o Artur, muitos netos e netas, uma casa que parece um castelo, sempre cheia de gente e de bichos. Um dos netos estuda medicina na República Checa. É o orgulho da família. Quando o menino chega pelas férias preparam-lhe caldos de borrego e compram-lhe bifinhos do lombo a vinte e cinco euros o quilo. O neto mais novo nasceu anão, mas, assegurou-me, certa vez, a D. Maria, numa conversa longa junto à capoeira, é muito bonitinho, uma inteligência, sem cabeça gigante, o corpo minúsculo nas proporções certas, benza-o deus. O malandreco aprendeu num instantinho a tabuada dos sete… , assegurou-me ela, ainda incrédula, enquanto atirava talos de couve e papas de pão às galinhas. À nossa volta, o quintal florescia cheio de vida e musgo. Espero que a D. Maria goste do bolo de nozes e me elogie os dotes culinários. Preciso desesperadamente que me afaguem o ego. O problema é que a Fátinha, a que fugiu com o sapateiro, era uma doceira e peras. É didícil chegar-lhe aos calcanhares.