2009/11/03

Adolfo

Uma certa irritação trepou-me pelo corpo acima assim que vi a cinta amarela. O José Eduardo Agualusa exortava as qualidades do novo escritor, acutilante e irónico. A acutilância é uma maçada. E a ironia já não é o que era. Tornou-se banal. Toda a gente quer ser irónica. Até eu, que aqui confesso a miséria e a derrota, em vez de me ocupar da tristeza que me rói as entranhas, volta e meia, venho armar-me aos cucos, fazer gracinhas, mostrar que sou hábil na virulência e no sarcasmo. Um horror. O livro traz também, em destaque, uma frase do Valter Hugo Mãe. Tão pomposa quanto vazia: A nova literatura portuguesa passa obrigatoriamente por aqui. Perante tantos elogios, amordacei as desconfianças e sacudi a irritação do corpo, que se espalhou pelos escaparates da livraria como uma poalha muito fina. Comprei o livro. Ao primeiro diálogo, estava na quinta página, abri as narinas e bufei. Resfoleguei como uma vaca. Indiana e sagrada. Soltei um palavrão. Bastou a inadequação de uma palavra, posta na boca de uma imigrante ilegal, para acicatar a minha intolerância. Porventura estarei a ser injusta, mas o livro, parece-me, não vale grande coisa. Os críticos devem adorar.