2010/10/05

Cemitério

Foi uma alegria quando o sexto esquerdo do prédio dos meus pais foi comprado. Finalmente, o último apartamento seria ocupado. Acabava, assim, o corrupio de potenciais compradores, gente que entrava e saia, examinando cada recanto, mexendo em tudo, olhando-nos, seus potenciais vizinhos, com a mesma frieza com que olhavam os mármores da entrada e os alumínios dos caixilhos. O prédio seria, por fim, poupado ao embaraço desses estranhos que pareciam fazer troça do nosso lar. Podia repousar na tranquila alegria de uma família completa. Logo se soube que o apartamento fora comprado por um casal de professores aposentados. Tinham apenas um filho que acabara há pouco tempo o curso de medicina. As características do novo agregado familiar agradaram a toda a gente. Num prédio de funcionários públicos, donas de casa, militares de pequena patente, retornados, um casal de professores proporcionava a decência escolástica que o exercício do professorado ainda gozava naquele tempo. Um jovem médico exerceria, por outro lado, uma boa influência nos miúdos que cresciam naquele bairro dos arrabaldes de Lisboa. Feita a mudança, o casal instalou-se. Os professores aposentados eram muito educados. Nunca estacionavam o carro no lugar dos vizinhos e traziam o patim da escada impecavelmente limpo. Já o filho, o jovem médico, logo na sua primeira aparição, provocou nos habitantes do prédio um desconforto miudinho. Era uma sensação estranha que não sabiam explicar. Parecia um bicho cocegando a pele.

Convidaram-me para escrever aqui durante o mês de Outubro. Nunca desperdiço a oportunidade de escrever. Convido-vos, estimados leitores, a ir espreitar o cemitério. Hão-de encontrar o resto do texto, bem como as respostas que dei a meia dúzia de perguntas. Durante o mês, haja tempo e inspiração, conto escrever mais qualquer coisita.