Sucede que a semente
era embrião de uma árvore de grande porte, mastodôntica, cruzamento de sequóias
e embondeiros, viera trazida num cargueiro senegalês que aportara em Lisboa num
dia de vendaval; uma rajada mais forte, aparentada dos alísios tropicais,
fizera-a voar para terra. A árvore cresceu, cresceu, cresceu, fez-se de copa
ramalhuda, folhagem densa e luminosa, a mulher andava na rua e toda a gente lhe
gabava o ornamento. Por altura do Natal, porém, começou a sentir desconforto, custava-lhe
aguentar o peso da árvore. Tinha de a tirar. Fazia-o com pena. Gostava de
acordar de manhã e sentir a líquida condutância do seu corpo arbóreo. Por causa
da fotossintética mentolada melhorara substancialmente dos seus problemas
respiratórios, deixara de usar o brisomax e o pulmicort. Na rua, muitas vezes,
vinham bandos de pardais atrás de si, atraídos pelos frutos roxos que nasciam
aos cachos, ficavam os passarinhos a aguar com vontade de bicar os abrunhos; às
vezes, se tinha tempo, a mulher parava, deixava-se estar perfeitamente imóvel e
punha-se a observar a aproximação dos pássaros. Repiu, piu, piu, faziam os
pardais, deliciados com a polpa sumarenta e doce, estremeciam de satisfação, as
bárbulas perdiam o tom pardacento, refulgiam em cores estranhas: ametista, magenta
e aspargo. A mulher das narinas grandes não era, por isso, capaz de simplesmente
a arrancar. Matar a árvore estava fora de questão.
Procurou ajuda junto
de uma amiga jardineira, muito boa pessoa, que trabalhava na Câmara Municipal de
Loures. A amiga logo reconheceu as suas limitações, estava habituada à
manutenção das espécies comuns, não era especialista no transplante, tentara trazer
quatro oliveiras centenárias – corriam risco de se perderem por causa da
construção de uma nova estrada camarária - para o largo do tribunal, cumprira
meticulosamente as etapas do transplante de árvores de porte médio, mesmo assim
perdera duas, definharam lentamente até se tornarem troncos estrangulados. Aquela
árvore exigia a intervenção de um sábio. Por sorte, explicou a jardineira, o
maior sábio botânico europeu vivia em Portugal, chamava-se José Theophrastus e
vivia em Paço de Arcos, numa vivenda recamada de azulejos cor de caramelo,
junto à marginal.