A tia Maria, sentada no alpendre, balouça as
pernas magras. Sacode constantemente os braços para enxotar os mosquitos.
Mordisca uma fatia de bebinca que a criada fez pela manhã. Vigia as
brincadeiras das crianças no jardim enquanto fala. Explica que às netas, por
serem raparigas, exige comedimento nos jogos e nos folguedos. Se não crescerem
delicadas, com bons modos, nenhum rapaz católico brâmane quererá casar com
elas. Volta e meia, quando alguma exagera na cabriolice, dá um grito. Ria, a
menina-balão, tem voz de trovão. Quer aprender com Elaine, sua prima, os
primeiros passos da Bharatanatyam. Não é fácil. Há
que ter um corpo obediente, olhos expressivos, mãos maleáveis que saibam falar
como os bichos. No preciso instante em as meninas se preparam para bater os pés
no chão, dando início à sua dança, ouvem-se os sinos. São 18 horas. O dia está prestes
a transformar-se em noite. É a hora mágica do Ângelus. A minha tia
interrompe as brincadeiras do jardim e, num inglês áspero, lembra as obrigações
da fé. Vira-se para a igreja de Santa Rita, cujos pináculos se avistam do outro
lado da estrada e, muito séria, desfia uma ladainha de palavras. Calam-se as
crianças. As minhas também. Calam-se as gralhas. Calam-se os esquilos que vivem
na mangueira. Cala-se o vento no tamarindo. Cala-se a mulher do sari vermelho e
das botas de borracha que cheira a estrume. Calam-se os deuses domésticos que
vivem no jardim. Estão habituados às orações da minha tia a um deus
desconhecido. Calo-me eu. Tudo se aquieta. No silêncio da aldeia só se escuta a
voz da minha tia que embala o entardecer. O mundo sossega por breves instantes.
Quando termina a oração, a tia Maria sorri e limpa uma lágrima que pingou da
sua vista doente. As crianças retomam as brincadeiras no jardim. Os deuses
escondem-se nos arbustos e, no crepúsculo, observam Ria, a menina-balão, que
bate os pés na laje morna, imitando Parvati, a consorte dançarina.