2013/02/04

Aninhas e o chá


Entrou no salão. O dono do cabeleireiro veio recebê-la. Cumprimentou-a com um beijinho e ofereceu-lhe um chá. Aninhas recusou com delicadeza e deixou-se estar a falar junto do balcão da entrada. O dono era um homem gordo, muito expansivo, cuja afectação se justificava pela clientela que conseguira reunir ao longo dos anos: jornalistas, deputadas, uma ou outra ministra, escritoras, professoras universitárias, algumas actrizes consagradas, mas nem uma única dessas celebridades que aparecem nas capas de revista por confundir a sua profissão com meretrício. Aninhas perguntou-lhe pelo companheiro, operado há pouco tempo. Não o fazia com sinceridade, não era genuína a sua preocupação. Na verdade, sentia certa repulsa quando via o dono do cabeleireiro abraçar o namorado, um rapaz novo que trabalhava no salão como colorista. Sacrificava, porém, o seu conservadorismo ao estatuto que aquela aparente intimidade lhe conferia. O salão tinha uma clientela muito selecta. No entanto, apenas um círculo muito restrito, a que Aninhas pertencia, tinha direito ao convite para o chá, servido numa porcelana finíssima, quase transparente.