Sentada na primeira fila, uma jovem mulher. Franja curta e olhos carregados de khol. Tem pinta de jornalista. Ou coisa que o valha. Ri que nem uma perdida. O texto tem brejeirice, presta-se ao riso, mas a mulher da primeira fila não se limita a rir. Já o texto segue adiante, já se fala do fio de seda que prende a patinha do pardal, já tudo é poesia, profanação e liberdade, e ela continua numa hilaridade forçada. Às tantas, sacoleja o corpo como se alguém lhe fizesse cócegas nos sovacos. Salta à vista que o seu riso é forçado, é o riso de quem, pelo exagero, se quer livrar do anonimato da plateia. Passa o resto do espectáculo a bichanar à companhia do lado. Às vezes, faz um ar grave e fita o palco com melancolia. Volta a rir-se descontroladamente, ruidosamente, se se escutam as palavras “cona” e “foder”. Concentro-me no texto. Apesar das aparências, o longo poema é denso, exigente, metafórico, cheio de subtileza e inteligência. Saio com uma frase, uma única frase, na cabeça. Sento-me a uma das mesas do café e escrevo na agenda: “Então tudo acabará. As estações terão chegado ao fim, com as suas sombras e os seus ecos”. A mulher da franja também está por ali. Encontrou uma amiga.
- Joana!
- Olá.
- Não sabia que estavas cá!
- Não podia perder este espectáculo!
- Gostaste?
- É muito, muito bom…
-Também adorei!
- E o texto é…
- Magnifico!
- Tem imensa força…
- Pois tem…
A conversa diverte-me. Cá está a habitual frivolidade de certa gente da cultura. Leram fulano e beltrano, conhecem isto e aquilo, mas não têm nada na cabeça. Só deslumbramento. Passava o resto da noite a escutar a conversa da tal Joana, mas são quase onze horas e os meus filhos ficaram sozinhos em casa.