Passo a manhã de sábado a fazer as limpezas que não consigo fazer durante a semana. Aspiro, arrasto sofás, limpo as casas de banho, lavatórios, bancadas, banheiras, retretes, penteio os cadilhos dos tapetes da sala, tão direitinhos que ficam, lavo os vidros engordurados da cozinha com rolos de jornal amachucado, aplico óleo de cedro nos móveis. De todas as tarefas que decorrem ao sábado de manhã e que deixam a casa bem limpa, gosto especialmente de mudar a roupa da minha cama. Aprecio essa tarefa doméstica mais do que qualquer outra. Encaro-a mesmo com um zelo especial. Primeiro, arranco os cobertores, a seguir, com igual vigor, puxo os lençóis que, numa trouxa, lanço para o chão. Aspiro o colchão com cuidado, enfiando o bico de pato em todas as ranhuras e frestas da cama, expurgando assim o antigo leito conjugal dos bichos que se alimentam de pó. Os lençóis são depois abertos com um gesto largo, sacudidos com rapidez, às vezes estalam, fica aquela brancura a planar sobre o colchão. Entalo bem os cobertores e faço uma dobra perfeita com o lençol de cima, nem muito grande, nem muito pequena, a barra bordada a ponto cruz simetricamente colocado ao meio. Estendo, por fim, a colcha, disponho os almofadões, olho para a cama no meio do quarto limpo, o sol da manhã a entrar pelas janelas abertas. Experimento nesse instante uma sensação de conquista. Destruí e construí, penso, e transporto para a minha vida a significância libertária de tais gestos; serve tal filosofia para explicar o universo da casa e dos objectos, também para escolher os meus alicerces.