2016/03/18

Yuri

Quando não chove os homens trocam o balcão pela esplanada. Estendem as pernas, apanham sol, conversam, bebem cervejas pelo gargalo das garrafas. Na rua, a caminho do supermercado, passam mulheres carregadas de filhos e compras. São feias, gordas e precocemente envelhecidas. Às vezes, de vez em quando, passa uma rapariga bonita. Com os mesmos filhos, os mesmos sacos de compras, mas bonita. O chefe dos soldadores logo lança um comentário ordinário. Os outros homens riem. Yuri também. São sempre assim os finais de tarde: Yuri com os outros homens que trabalham na construção do segundo tanque, em animado convívio. Mas, se rebenta uma tempestade, dessas comuns no norte, Yuri deixa de participar nas conversas. Não ri dos comentários do chefe dos soldadores. Parece mesmo não os escutar: em silêncio, imóvel, fixa com atenção a grande janela do café. Ao ver a chuva estalar nas vidraças recorda a noite em que encontrou o velho na sua cama. 
*
Chovia muito nessa noite. Depois de sair da obra, Yuri passara pelo supermercado para comprar o jantar, meio frango assado, uma caixinha de cuscuz para o jantar, uma coca-cola para acompanhar, e fora levantar a encomenda de Ana aos correios. Ana, a sua querida irmã Ana, mandava-lhe, pelo menos uma vez por mês, uma encomenda cujo conteúdo variava consoante a sua própria inspiração: um frasco de champô de ervas, um bálsamo para desentupir o nariz, latas de arenque fumado, pacotes de bolacha, caramelos de seiva azul, revistas, livros, folhas e flores secas, fotografias, desenhos e colagens feitas por si. Yuri nunca sabia ao certo o que ia encontrar. Sentia por isso uma excitação febril quando recebia o aviso para levantar a encomenda da irmã. Naquela noite, ao caminhar pelo bairro com o pacote por baixo do braço, antecipava o momento em que rasgaria o papel grosso e se surpreenderia com as coisas que Ana escolhera dessa vez. Talvez, imaginava, lhe tivesse mandado fotografias do jardim. Por aquela altura, as árvores à volta do lago já deviam ter folhas e os canteiros, floridos, perfumados, atenuavam a tristeza da aldeia. Yuri sentia-se feliz porque naquela noite Jonas não o perturbaria com os habituais comentários e Lucas, ao contrário do que sempre fazia, não lançaria olhares invejosos quando o visse barrar tostas com a pasta de salmão que Ana lhe mandava. Àquela hora, Lucas, Jonas e os dois marroquinos já deviam estar na festa de despedida de Pavel.