Usava umas camisolas de lã coloridas, tricotadas à mão, e escrevia poemas doridos sobre o peso dos dias. Uma vez, já não sei a que propósito, falámos sobre política. Com comedimento que o ambiente de trabalho não permite grande alarido. Fiquei a saber que era uma dessas comunistas empenhadas, de punho erguido, admiradoras do socialismo cubano e saudosas do progresso soviético. Enchia o peito para falar de liberdade e do 25 de Abril. Certo dia, cruzando-me com ela no corredor do refeitório, perguntei-lhe pela neta que, naquela altura, devia ter a idade da minha filha. Respondeu-me com o entusiasmo habitual das avós, que a menina era linda e, claro está, muitíssimo esperta, quase, quase sobredotada. Rematou a conversa, dizendo que, graças a deus, não era virada para o outro lado, uma vez que apreciava sobretudo a companhia do pai e do avô. Engoli em seco e, num rasgo de lucidez, mudei de assunto. Perguntei-lhe que ponto de tricot usara na medonha camisola que vestia naquele dia.
(sempre me fez espécie o conservadorismo dos comunistas.)
(sempre me fez espécie o conservadorismo dos comunistas.)