A primeira vez que Irene topa com as raparigas da vila lambendo, envergonhadas, os cones de gelado chega a casa animada com aquela promessa de frescura. À hora do jantar, enquanto Alberto Miguel se serve de um assado de galinha, recorda-lhe a geladaria que frequentavam em Lisboa. Ficava num gaveto da Rua da Escola Farmacêutica, perto escola de enfermagem. Lembras-te, Alberto?O marido lembra-se, lembra-se até muito bem, mas não partilha o entusiasmo. Cauteloso, com candura, avisa-a que deve evitar comer ou beber nas lojas da vila. Os locais - é a expressão que sempre utiliza - são pouco asseados. É imperioso não esquecer que ali as doenças espreitam por todo o lado. Os mosquitos trazem a morte. As moscas a cegueira. Se queres gelados pedes à rapariga para os fazer em casa com água fervida. Irene escuta-o em silêncio. E trincha o peito da galinha.
Sabe que o silêncio, o seu silêncio, é condição primordial para um casamento feliz, sem sobressaltos, discussões, contratempos. O marido é um homem trabalhador e educado. Tem a vida organizada ao mais ínfimo pormenor, planeada, ordenada, espartilhada em regras, deveres, obrigações. Irene não se incomoda com o rigor do marido. Habituada a uma infância ruidosa – eram muitos irmãos e irmãs vivendo numa casa pequena -, aprecia que alguém se encarregue de lhe ordenar a rotina. De manhã à noite, o seu dia é uma sucessão previsível gestos e tarefas previamente traçadas pelo marido. O banho toma-se sempre pela manhã. O almoço é servido ao meio-dia. Os fatos são todos azuis. As suas camisas têm de ser coradas ao sol durante um dia. O armário das bebidas só se abre se chegar alguma visita. Não se deve ler na cama.
As opiniões são como as rotinas. Nunca se alteram ou discutem. Irene encontra inúmeras vantagens práticas na disciplina do marido. Em sua casa, os objectos são como as rotinas e como os assuntos. Também eles têm um lugar definido, nunca se perdem, nunca se escondem. Irene sabe sempre em que gaveta está o corta-unhas e, desde que casou, nunca mais lhe aconteceu perder o boletim de vacinas ou não saber, com exactidão, o dinheiro gasto nas compras semanais. Vive na certeza de ser feliz.
Sabe que o silêncio, o seu silêncio, é condição primordial para um casamento feliz, sem sobressaltos, discussões, contratempos. O marido é um homem trabalhador e educado. Tem a vida organizada ao mais ínfimo pormenor, planeada, ordenada, espartilhada em regras, deveres, obrigações. Irene não se incomoda com o rigor do marido. Habituada a uma infância ruidosa – eram muitos irmãos e irmãs vivendo numa casa pequena -, aprecia que alguém se encarregue de lhe ordenar a rotina. De manhã à noite, o seu dia é uma sucessão previsível gestos e tarefas previamente traçadas pelo marido. O banho toma-se sempre pela manhã. O almoço é servido ao meio-dia. Os fatos são todos azuis. As suas camisas têm de ser coradas ao sol durante um dia. O armário das bebidas só se abre se chegar alguma visita. Não se deve ler na cama.
As opiniões são como as rotinas. Nunca se alteram ou discutem. Irene encontra inúmeras vantagens práticas na disciplina do marido. Em sua casa, os objectos são como as rotinas e como os assuntos. Também eles têm um lugar definido, nunca se perdem, nunca se escondem. Irene sabe sempre em que gaveta está o corta-unhas e, desde que casou, nunca mais lhe aconteceu perder o boletim de vacinas ou não saber, com exactidão, o dinheiro gasto nas compras semanais. Vive na certeza de ser feliz.