2010/06/07

Cansaço

Perguntaram à Maria do Rosário Pedreira a razão pela qual não há novas escritoras. Ela explicou, mais coisa, menos coisa, que as mulheres, mais do que os homens, se dedicam à leitura. Têm, por isso, padrões de exigência literária elevados que não se compadecem com escritos medianos. Talvez seja assim. Encontro, porém, razões mais simples para a falta de jovens escritoras. As jovens mulheres são mães. A maternidade, que é um consolo, uma satisfação, tem corpo de sanguessuga, é um bicho hematófago que se alimenta de nós, chupa-nos o sangue e o resto. Ao fim do dia, quando adormece, a maternidade deixa apenas uma carcaça cansada. É verdade que os jovens escritores também são pais. Mas ser mãe é tão diferente de ser pai. A propósito do lançamento do seu último livro, a Filomena Marona Beja, nova escritora velha, explicou isso mesmo. Começou a escrever velha depois de se livrar do maravilhoso fardo da maternidade. Só quando os filhos se fizeram à vida e lhe largaram as saias pode dedicar-se à escrita. Quando lhe li a entrevista sosseguei. Vivo na expectativa de que me aconteça o mesmo. Hei-de escrever quando for velha e livre! Imagino muitas histórias. A história da pensão imperial. A história da promessa. A história do taxista angustiado. A história dos prédios do bairro camarário pintados de fresco. A história da sandes de salsichão enfiada no bolso do presidente da câmara. A história da mulher que comia gelados. Outras. São pequenas histórias, esquissos sem corpo, que flutuam na minha cabeça como fantasmas. Sei que poderia escrevê-las com competência, o que, nos tempos que correm, já não é mau. Não as escrevo porque à noite, quando finalmente a noite se alonga e o silêncio trepa as paredes do quarto, não resisto à exaustão. Fecho o interruptor e adormeço. Não é por cobardia que não há jovens escritoras. É por cansaço.