2010/12/09

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A nave central do tribunal é lugar inóspito, frio, sem inspiração. Ampla, despida de móveis, habitada apenas pelo eco das vozes e dos passos dos que chegam: magistrados, funcionários, testemunhas, agressores, vítimas. Há várias portas na nave principal. Algumas são de acesso condicionado. Levam às entranhas do tribunal, a corredores labirínticos de madeiras enceradas. As outras portas, de vidro, estão abertas ao público em geral. São as entradas das secretarias dos juízos criminais, dos serviços do ministério público, das salas de audiência. A porta da sala dos advogados também está aberta. Lá dentro, três mulheres conversam sobre uma mesa redonda onde repousam códigos e processos. A mais velha usa um decote acentuado e uma saia muito justa que marca a curva da anca e o volume dos glúteos. Tresanda a profanação. A segunda advogada traz o cabelo num desalinho por causa da chuva. Tem o corpo enfiado numa canadiana cor de chumbo. É feia, desleixada, desinteressada e desinteressante. A primeira e a segunda mulher amortecem o entusiasmo da terceira mulher, uma jovem advogada que acabou de sair da sala de audiência. Conta o que se passou durante a diligência. Fala com uma confiança que desconhecia ter, rindo, mexendo as mãos, alisando o cabelo. Foi o seu primeiro julgamento e toda a gente a tratou por senhora doutora. Nunca pensou que lhe soubesse tão bem tratarem-na assim. A um canto da nave principal, junto das vidraças que dão para um jardim de arbustos, quatro homens jovens conversam. São polícias. Percebe-se pelo cabelo muito curto, os blusões, as botas de cordões. Os jovens polícias falam ruidosamente e têm nomes como Vítor e Mário. De tempos a tempos a nave central do tribunal é atravessada por uma oficial de justiça que, de capa preta, deixa um rasto sombrio, pesado, de bosque assombrado.

Penso assim: que bem me sabe ler este livro neste lugar. Leio durante três horas. Depois levanto-me e vou-me embora.