2011/09/21

Aninhas e o desejo

Dada a sua condição, corpo adormecido, meio morto, meio vivo, Aninhas pensava frequentemente no desejo e no prazer. Formara sobre esse assunto uma opinião empírica, que prescindia de análises comparativas, divagações desnecessárias, filosofias profundas; assentava apenas na sua vivência pessoal, nos homens que conhecera, nos casos que tivera, nas marcas que essas relações lhe iam deixando no corpo. Era uma análise sem grande préstimo, pressentia-o, na medida em que não servia para os outros. Tratava-se de uma teoria simples que se adequava à sua vida, explicava as suas atitudes, poupava-a à dor e humilhação. Tal teoria, que carregava dentro de si e que aprofundava, com vagar, nos tempos mortos, filas de trânsito, reuniões de turma dos filhos, salas de espera dos consultórios médicos, assentava na primazia do desejo sobre o prazer. Aninhas atribuía uma importância fundamental ao desejo, à capacidade de querer esmagar um corpo, uma boca, duas mãos, a curva de uma perna, o repouso de um ombro. Era o mais importante. Não se podia viver sem desejo. Encarava o prazer, pelo contrário, como coisa menor, um arrepio que chega, mata, desilude, rapidamente se esquece. O desejo era literário, o prazer simplesmente pornográfico. Era uma teoria que lhe convinha. Aninhas, gostando de literatura e de pornografia, sabia que podia viver sem o detalhe cirúrgico da pornografia, mas acabaria por definhar, mirrando até desaparecer, sem a liberdade da literatura.